terça-feira, março 01, 2011

Cabelo bom ou cabelo ruim - eis a questão


Se tem uma coisa que me irrita é essa forma de se expressar das pessoas que acaba incutindo no inconsciente coletivo o preconceito, o racismo ou a discriminação. E essa história de cabelo bom e ruim é uma delas. O que é cabelo bom e o que é cabelo ruim para você? Para a maioria esmagadora da população, cabelo bom é cabelo liso e cabelo ruim é cabelo cacheado ou crespo. E por mais que você tente, as pessoas usam essas denominações sem nem mesmo se tocar que estão passando adiante um preconceito velado.

O conceito de bom e ruim para mim é outra coisa. Cabelo bom, para mim, é cabelo bem cuidado, brilhoso, macio, hidratado... seja ele liso, cacheado, crespo, ou como você quiser chamar. Já vi cabelo liso ruim aos montes! Quebrado, opaco, sem vida, sem corte, cheio de pontas, seco.. Assim como já vi cabelos cacheados e crespos lindos, bem hidratados, bem cortados, macios... e vice-versa.


Leandra Leal - linda, loura e devidamente cacheada. Alguém duvida que o cabelo dela seja BOM? Eu não.

Agora, e esse liso aqui que ela usou em Senhora do Destino? Estava RUIM, vamos combinar...

Eu posso estar bancando a chata, mas a verdade é que tenho propriedade para falar! Dá licença, mas sou uma cacheada/ondulada/crespa natural que passou quase a vida inteira recorrendo às mais variadas químicas para alcançar o sonho-liso que todas as meninas pediram a Deus.

Devo ter começado essa "via-crúcis"  aos 13 anos. Minha mãe, cansada dos meus recorrentes pitis-aborrescentes, me levou em um salão para fazer aquele relaxamento brega horroroso que prometia tirar o volume Gal Costa tão fora de moda nos anos 90. Lembro-me da minha reação ao, ingenuamente, perguntar ao cabeleireiro se meu cabelo ficaria liso. E o patife profissional me prometeu que sim. - #fail.

Nem precisa dizer que obviamente eu nunca consegui alcançar tal resultado e o mais perto que cheguei disso foi quando inventaram a famigerada escova definitiva, que também atende pelo nome de progressiva, marroquina, de chocolate, japonesa, de cristal... enfim, cada hora inventam um nome para vender o que nada mais é do que um procedimento super forte com 0,2% de formol e faz as madeixas memorizarem através da chapinha o formato liso. Entre elas, só muda um ou outro detalhe aqui e acolá, mas na essência é tudo a mesma merda  coisa. Olha só que promessa atraente e DE-FI-NI-TI-VA.

Era início dos anos 2000, me recordo prefeitamente do burburinho que a Fátima Bernardes causou quando se submeteu a uma escova japonesa definitiva. Pensei: "gente, meu sonho de infância se realizou." Claro que não poupei esforços para finalmente ter minhas almejadas madeixas lisas - definitivamente. E não preciso dizer que de definitivo, no final, só minha tatuagem né? Porque quando a raiz cresce, neguinha............................... segura a onda! (literalmente!)

Fátima Bernardes e a polêmica da escova definitiva que fez ela ficar 3 dias sem lavar o cabelo a olhos vistos (e criticados) do público. Quem lembra

No começo, só flores. O cabelo responde bem à química porque ainda não está viciado. Passei simplesmente uns 7 anos me submetendo a isso e o que tinha de química foi descendo para as pontas e, lógico, me tornei escrava da chapinha. Sim, porque não importa o que vão te dizer no salão, seu cabelo não vai ficar pronto quando você sair do chuveiro e secar liso e arrumado. Tem sempre que dar aquela modeladinha nas pontas para não ficar com aquele aspecto esticado de vassoura. (pronto, falei.)

Depois de tanto tempo naquela monotonia eternamente lisa, comecei a tentar mudar o que dava para ser mudado: a cor, o corte, o jeito de pentear... mas por causa dos tais 0,2% de formol (sim, TODOS têm), nada assentava direito naquela coisa tão... digamos... definitiva.

Fui cortando para me livrar do cabelo morto das pontas e quando engravidei foi o ultimato. Ou eu me assumia, ou ia morrer fazendo escova e chapinha para deixá-lo, no mínimo, apresentável, já que a gravidez não permitia mais eu me expor às químicas (tem gente que faz, mas a química não era tão importante na minha vida assim para eu arriscar.).

Resolvi então, depois que minha filha nasceu, assumir meu cachos e me (re)conhecer. Afinal, nem sabia mais como ele era, de tantos anos alisando!

Com dois meses de parida, eu estava realmente necessitando de algo para reviver meu cabelo... e me rendi às tesouras dessa artista natalense aqui (Nalva Melo, a dona do famoso Café Salão), contando todo o meu drama de novela mexicana com os cabelos: com a Valentina nascida e demandando 100% do meu tempo, agora, não dava mais para dedicar tempo a chapinhas e afins. Precisava de uma coisa prática como lavar e sair PRON-TA do chuveiro - dessa vez, de verdade. Nalva foi direta e certeira: vamos ter que cortar todo para tirar todo esse alisamento e voltar pros cachos. Só assim você vai sair pronta do chuveiro como quer. Alguns minutos de insegurança depois, lá estava eu, repicada e cacheada como só havia me visto quando criança!

Foi um alívio, uma libertação. Não sabia o que era sair do chuveiro livre. Poder lavar o cabelo quantas vezes quisesse no calor do verão, sair com ele molhado, ir à praia, mergulhar e deixar secar naturalmente... Como assim, cabelo ruim??? Excuse me, mas meu cabelo está BOM é agora!

Não sou contra cabelos lisos, pelo contrário, acho lindo, não vou cuspir no prato que comi (e como comi!)! Eu curti muito enquanto estive lisa. Mas prefiro uma coisa menos definitiva e mais prática nesse momento da minha vida... quando tiver saudades (e tempo), a chapinha estará ali guardadinha no lugar dela me esperando. Por enquanto, quero meus cachos aqui, tornando a minha vida mais simples, escancarando minha identidade todos os dias no espelho, fazendo minha filha se reconhecer em mim mesma quando seus cachinhos crescerem também (será que vai ser cacheado?) e ver como podemos nos descobrir belas como realmente somos.

Viva o retorno à moda dos volumosos! Salve a Helena negra de Manoel Carlos! Finalmente, a moda nos livrou desse padrão europeu inalcançável e frustrante para as brasileiras. Somos lindas, volumosas e exuberantes - cacheadas ou lisas! Somos BOAS! Ruim é quem não concorda com isso.