Na semana passada me deparei com um comercial de tevê de um brinquedo para meninas que me intrigou. Trata-se de uma lava-roupa de boneca e, como se não bastasse isso, o texto ainda dizia: "uma maquininha de lavar roupa igualzinha à da mamãe".
Vamos lá: o brinquedo é rosa, cor simbólica-mor de representação do feminino, isso é indiscutível. O comercial só tem meninas e eu só vejo referências à mamãe, nada em relação ao papai. Deve ser porque, obviamente, o papai não lava roupa, correto?
Vamos lá: o brinquedo é rosa, cor simbólica-mor de representação do feminino, isso é indiscutível. O comercial só tem meninas e eu só vejo referências à mamãe, nada em relação ao papai. Deve ser porque, obviamente, o papai não lava roupa, correto?
O brinquedo virou febre, pelo que entendi. O título de uma matéria publicada no G1 dá conta de que a tal Lava Lava foi o maior sucesso nas lojas da 25 de março durante a campanha para o Dia das Crianças (pra quem não sabe, a 25 é o maior centro comercial de rua de São Paulo, paraíso das consumistas pobres como eu... rs). Quem quiser ler pra crer, segue o link aqui.
Bem, eu não tenho nada contra as meninas aprenderem a lavar roupa brincando, apesar de preferir outras brincadeiras mais criativas. Sei que as crianças adoram imitar os adultos e acho até saudável que elas aprendam desde pequenas a lidar com as responsabilidades domésticas, seja através do contato lúdico, seja ajudando a mamãe. Mas a minha ressalva vai para o fato disso ser claramente direcionado apenas às meninas e não aos meninos.
Muita gente vai dizer que sou exagerada ou feminista (aliás, obrigada... rs), mas eu não quero que minha filha aprenda a lavar roupa enquanto os meninos aprendem a se divertir de verdade com bolas, carrinhos, aviões ou coisa que o valha. Eu olho ao redor as meninas brincando de fazer comida em meio a panelas e, do outro lado, meninos com bonecos e carros e só consigo visualizar o que acaba acontecendo na maioria dos lares no futuro: mulheres trabalham enquanto homens se divertem.
Parece um treinamento. Meninas são treinadas para os cuidados com a casa (nem que seja apenas através das brincadeiras), enquanto os meninos brincam no sentido genuíno da palavra. Observo dentro das casas as famílias se desenvolvendo com essa configuração muito clara: as meninas ajudam a mamãe, enquanto os meninos são mimados. Meninas aprendem a lavar sua calcinha. Meninos deixam cuecas sujas para os outros lavarem.
Quando crescem, os homens "maduros" (#not), mesmo aqueles com boa vontade (sim, eles existem!), ficam perdidos diante da responsabilidade de ter que dar conta da própria vida. Ora, convenhamos, cuidar de casa é um tremendo pé no saco. Ou melhor, no útero. E com cólica, pra ser bem dolorido. É um trabalho não remunerado, mal reconhecido e que não termina nunca! Ninguém gosta de ter obrigação de fazer, mas faz. Faz porque gosta de ver a casa limpa, arrumada, bem cheirosa e aconchegante. Faz porque precisa de talheres limpos para a próxima refeição, e porque, vamos combinar, dá uma dignidade danada ver a casa tinindo de organizada, né? Até eu que não sou nenhum exemplo de organização adoro ver tudo no lugar.
Então, se ninguém gosta, mas todo mundo usufrui dos benefícios e mora no mesmo lugar, é preciso entrar na dança, arregaçar as mangas e colocar a mão na massa. Grande parte dos homens (sem generalizações, por favor) não faz a menor ideia de como ser dono da própria casa. Quando não terceirizam o trabalho doméstico, procuram uma esposa como quem seleciona uma empregada. Plus: ela ainda tem que ser bonita, depilada, boa mãe e dar um jeito de ganhar dinheiro pra ajudar no orçamento (!).
Desculpem, mas querer educar minha filha pra entender que isso é questão de responsabilidade e não de obrigação somente dela é ser radical ou feminista? Não que eu ache isso ruim, mas pra mim é uma questão de ser justa. Os meninos não brincam de casinha, não brincam de fazer comidinha, de varrer a casa, lavar roupa, cuidar do bebê, etc, etc e etc. Então, eles crescem sem o tal "treino". Mesmo aqueles que citei lá em cima, que têm boa vontade e querem ajudar. Eles são perdidos, não sabem nem por onde começar. Não entendem que se trata de um serviço vitalício e que necessita ser realizado todos os dias. Eles não aprendem a ver o lixo cheio, a pia abarrotada, o cesto de roupa transbordando, a cama desfeita, o chão sujo e assim sucessivamente. A maioria deles - e mesmo alguns que conheço com discurso feminista, ressalte-se - simplesmente se acomoda, sobretudo, porque sabe que alguém uma hora fará o trabalho por eles. Seja porque não suporta ver tudo desorganizado, seja porque cansou de pedir cooperação, seja porque se incomoda com a sujeira. Afinal, alguém tem que fazer o trabalho sujo.
Estou escrevendo isso baseada em experiências, observações que fiz nas casas por aí, conversas entre amigas, colegas, casadas ou não, com irmãos homens,... como é cansativo perceber que a mesma história se repete o tempo todo e depois de tantos anos de história. Digo a vocês que gostaria de estar escrevendo outra coisa e fazendo constatações mais otimistas em relação à igualdade de responsabilidades entre os gêneros.
Mas o fato é que isso está longe de acontecer e só vai se concretizar quando olharmos de forma mais criteriosa para a educação. E educação, minhas queridas e meus queridos, começa em casa, bem cedo, antes da escola. Começa no cuidado, começa no brincar.
Mas o fato é que isso está longe de acontecer e só vai se concretizar quando olharmos de forma mais criteriosa para a educação. E educação, minhas queridas e meus queridos, começa em casa, bem cedo, antes da escola. Começa no cuidado, começa no brincar.
Hoje foi meu primeiro dia das crianças como mãe de uma criança, já que no ano passado a Valentina, do alto de seu segundo mês de vida, só sabia brincar de mamar. Hoje eu brinquei com a minha filha de dançar, desenhar e contei histórias. Passeei no parque, empurrei ela no balanço e no escorregador. Bati palmas, cantei músicas e fiz teatro de bonecos.
Não estou dizendo que não vou deixar minha filha brincar de lavar roupa ou fazer bolinhos se assim ela quiser. Ao contrário, farei questão de inclui-la nesse universo - de forma lúdica, é claro -, para que ela entenda desde cedo que não existe mágica: as roupas não ficam limpas, a pia vazia e a comida pronta em um sacudir de varinha de condão.
Proponho a nós, mães - já que isso também parece estar relegado principalmente às mulheres -, usarmos essa arma de forma inteligente. De tantas responsabilidades que temos em mãos, acredito que a mais poderosa seja a de educar nossos filhos para que eles escrevam histórias melhores no futuro. Vamos ensinar os meninos a lavar roupa, fazer comida e lavar suas cuecas também. Vamos brincar de casinha com eles e fazer eles de papai que também cuida dos bonecos como as meninas de suas bonecas. Não coloquem a culpa no "instinto maternal", isso nada mais é do que cultural. E cultura, meus caros, é construção social. Cons-tru-ção.
Não vamos deixar que lá na frente os meninos que criamos escolham mulheres para os servir e sim para que escolham mulheres que sejam suas companheiras, parceiras. Alguém com quem contar na vida e dividir as coisas boas e ruins. Não vamos deixar que eles entrem em conflito com suas esposas simplesmente por não terem aprendido a ter iniciativa dentro de suas casas, com mamães tornando a vida fácil para os meninos e complicada para as meninas. Já vi mães com casais de filhos reclamarem que suas filhas "não ajudam em casa" e nada falar dos seus bebezões preguiçosos que darão trabalho às esposas mais tarde. Demorou pra mudarmos essa situação. As nossas mães são da geração da liberação feminina, porém, não entenderam muito bem o que isso significava. E acho que nem nós entendemos ainda, pois contribuímos o tempo todo para que esses "pré-conceitos" se propaguem.
Mas ainda há tempo e eu sou cheia de esperança no futuro.
E que ele comece dentro de casa. Hoje.
E que ele comece dentro de casa. Hoje.
Um feliz dia de BRINCAR para todos.