segunda-feira, abril 18, 2011

Parindo o medo e o meu medo de parir

A maioria das pessoas que me conhecem tem a seguinte imagem de mim: uma mulher forte, batalhadora e destemida. Já ouvi isso diversas vezes de amigos e familiares, mas acho que essa leitura tem mais a ver com a minha autoconfiança do que com qualquer outra coisa. O resto é meio uma imagem que eu persigo, não necessariamente o que eu sou. É aquela velha história: tem o que eu sou, o que eu penso que eu sou e o que os outros acham que eu seja.

Aonde eu quero chegar com essa conversa? No Medo. Medo, assim, com M maiúsculo mesmo. Aquele medo que te trava, te apavora, te impede de seguir em frente. Sim, eu sou destemida para muitas coisas: já saltei de bungee-jump, voei de helicóptero e parapente, já mudei mil vezes de cidade e emprego, já dancei para um público de mais de três mil pessoas, já trabalhei falando na televisão, já fiz tatuagem, depilação profunda, enfim - isso tudo parece descrever uma pessoa destemida, não? Não. Errado.

Eu tenho medo, muito medo de várias coisas. Inclusive, de todas essas coisas que citei acima. Eu tive medo de tudo, mas fui lá, enfrentei e fiz. A diferença é que eu prefiro não deixar o medo me paralisar e impedir que eu faça algo que me traz muita felicidade.

Por quê estou falando sobre isso? Bem, porque recentemente me caiu a ficha do motivo que me levou a não conseguir parir a minha filha pelas vias naturais - como eu havia idealizado. Eu posso inventar mil coisas e mil motivos desculpas para dizer que que fui levada a uma cesárea de emergência... Que minha filha não queria descer, que estava com circular de cordão (tudo verdade). Mas a real, minhas amigas e meus amigos, é que eu paralisei de medo e pedi a cesárea. Medo da dor que eu estava sentindo. Pavor.

Não, eu nunca havia cogitado parir em minha vida. Dos nove meses de gestação, sete deles eu fingi para mim mesma que não sabia que passaria por um parto. Fiquei esse tempo todo submissa ao meu obstetra, que ao meu ver (naquela época) entendia tudo sobre o assunto. Eu deveria  apenas seguir o que ele orientava. É assim que somos educadas na nossa cultura, o médico é um Deus, ele sabe tudo. Cresci convivendo com essa realidade, minha mãe, por exemplo, só teve filhos através de cirurgias. Minhas tias também. Minha vó, segundo as pessoas da minha família, quase morreu do parto da minha mãe, então, eu tinha uma imagem completamente negativa do parto, achava que parir é uma "violência" com o corpo da mulher.

Não sei muito bem quando foi que tive essa iluminação divina e minha cabeça deu um click sobre esse assunto. Lembro-me de ter assistido alguns vídeos de parto e ter achado a cesariana uma coisa muito fria, sem graça e, agora sim: violenta e invasora. Você toma a anestesia para permitir que seu corpo seja invadido. Imaginem uma cesárea sem anestesia? Impossível né? Você precisa dela para aguentar um médico cortar sete camadas da sua pele e retirar o seu filho de lá, sem nem saber se ele quer mesmo sair naquele momento. Dei-me conta disso ao conversar com uma colega de trabalho que havia tido um parto normal hospitalar. Ela: magrinha, boazinha, um doce de pessoa. Perguntava-me como ela tinha conseguido e daí em diante comecei a mudar minha imagem sobre o parto normal, mas ainda não sabia nada sobre o natural, nem muito menos domiciliar. Só lembrava-me da Gisele Bündchen falando no Fantástico sobre sua experiência e eu, muito descrente, desconfiei de tudo o que ela havia falado.

Foi então que, do alto dos sete meses, uma conhecida da internet veio me questionar sobre como eu queria o parto e eu falei que iria tentar o normal. Ela me perguntou novamente: normal ou natural? E eu achava que era a mesma coisa. Comecei então minha peregrinação atrás de informações a respeito, entre livros, sites, blogs, fóruns e encontros de mulheres, gestantes e tentantes. Um novo mundo se abriu na minha mente.

Quando meu médico me falou para marcarmos a cesárea ou a indução do parto, me senti desrespeitada pela primeira vez. Demorou. Ora, eu nunca havia tido nenhum problema durante a gestação, fora um alarme falso que foi rapidamente controlado, estava bem. Pressão ok, bebê ok, tudo perfeito. Sem falar nos famosos quadris largos, que me fizeram passar a vida inteira escutando que seria uma "ótima parideira". Então, perguntei para ele, por que cargas d'água ele queria marcar o parto. E ele me respondeu que as maternidades que ele trabalhava ficavam lotadas e que ele não queria ir para outros lugares mais longe. Eu disse pra ele que gostaria muito de esperar a minha filha nascer no dia que ela escolhesse, entrar em trabalho de parto, sentir as contrações, enfim, VIVENCIAR o momento em sua totalidade e com espontaneidade, se possível, da forma mais natural possível, sem tantas intervenções. Ele não esperava aquela reviravolta àquela altura e logo soltou um: "você quer voltar à idade dos índios." Eu fiquei com aquela cara de... "Oi?"

Participei desses encontros de mulheres que defendem o Parto Natural Domiciliar ou Hospitalar com o objetivo de pegar contatos de outros médicos que fossem entusiastas da causa e que respeitassem as minhas vontades. Qual não foi a minha surpresa quando percebi que, infelizmente, queridas, os médicos dos nossos planos de saúde não se dispõem a acompanhar partos naturais por um motivo muito óbvio - eles perdem tempo demais com uma mesma parturiente. E tempo, sabemos, é dinheiro! Mas o que vocês vão escutar é: "seu bebê está com circular de cordão", "sua placenta está muito amadurecida", "você já está com 40 semanas de gestação", entre outras coisas, que são, em grande parte, mito, tirando raríssimas exceções que realmente seriam indicativo de cesárea. Quem quiser saber mais sobre esse assunto, entra aqui, pois não quero entrar nesses pormenores, não é o objetivo desse post. Meu ex-médico, ao menos, foi franco. Disse que estava perfeita, mas que ele não queria arriscar. (Arriscar, no caso, a comodidade dele. Não a minha, que fique claro.)

Enfim, decidi encontrar algum médico que fizesse o parto normal ou natural e que, pelo menos, respeitasse a minha vontade de esperar a minha filha querer e estar preparada para nascer. Isso tudo levou tempo e do alto das 33 semanas de gestação, eu não queria mais ficar rodando atrás de médico. Preocupei-me apenas em ter uma boa conversa com a escolhida e ela me pareceu bastante sensata, esclarecendo, lógico, que nem sempre tudo sai como planejado. Ok, eu, que não engravidei planejadamente, sei disso mais do que ninguém né?

Bem, que terminou em cesárea todo mundo já sabe. (Quem não sabe, e tiver paciência de ler a saga completa, tem nesse post aqui como tudo aconteceu). Mas eu não vou dizer para ninguém que foi porque TINHA QUE SER não. Sou mulher o bastante para assumir minhas fraquezas e não ficar posando de vítima da situação. Vítima é algo que não sou. No máximo, fui refém da minha educação.

Analisando o que aconteceu nesses quase oito meses de vida da minha filha, percebo que meu parto natural não se concretizou por puro medo. Os dois meses da minha gravidez que eu tive para mudar de mentalidade e tentar mudar a minha história não foram suficientes para que eu estivesse verdadeiramente preparada para tudo. Eu achava que, sozinha e na hora "P", daria conta do recado. Digo sozinha porque, apesar de minha mãe estar lá comigo, ela era praticamente EU naquele momento. Ela estava comigo e acho que sentia as mesmas coisas como eu sentia ou, queria sentir, como qualquer mãe, quer sentir a dor pela filha. O resto foi o resto. Foram nove horas em trabalho de parto, cinco das quais, em casa. Tranquilo. Cheguei no hospital bem, serena e controlada. Mas na sala de pré-parto as coisas começaram a mudar. As pessoas não paravam de entrar e falar. Meu marido não estava comigo e nem pelo menos por perto, ficou a andares de distância de mim. Abriram minha veia e deixaram uma agulha lá, "para a hora da anestesia", o que limitou bastante meus movimentos e não pude fazer os exercícios de relaxamento que tinha aprendido e me programado mentalmente para fazer. Minha mãe, coitada, não sabia como me ajudar, a não ser me dando amor e apoio moral. Mas ela estava mais apavorada que eu, dava pra sentir.

Eu achei que conseguiria ir até o fim, até que......................... a dor apertou e eu me descontrolei. "Então era isso que as meninas do fórum falavam de partolândia." Uma dor que não dá para descrever. Eu só lembro que não havia posição que me fizesse sentir confortável e qualquer barulho me irritava. Eu queria ir pro chão, ficar de quatro, queria alguém me fazendo massagem nas costas, queria abraço, beijo. E ao mesmo tempo, nem sabia o que eu queria. Naquele momento, em vez de me entregar à dor, acabei lutando contra ela e me desconcentrando. Tive medo. Isso mesmo: ME-DO. Um medo paralisante. Não imaginava que sentiria tanto medo. Eu falava que iria morrer. "Eu vou morrer, eu vou morrer!!!" E de certa forma, eu morri. Aquele dia eu morri um pouco para renascer outra. Acho que quem passa por isso, se transforma, renasce. E isso porque eu não passei pelo expulsivo, imagina se tivesse chegado lá? Sairia, além de renascida, inteira. Sem cicatrizes no corpo ou na alma. Sem dores. Renovada. Serena, como quando entrei ali. E com minha filha nos braços.

Fora o momento do nascimento, só fui ficar com a minha filha, horas depois. Fiquei "depositada" em um corredor com pessoas desconhecidas passando para lá e para cá, esperando vagar um quarto. Eu tremia de frio e não conseguia me mexer direito, toda enfaixada. Acho que tive febre quando passou o efeito da anestesia. Passei quatro dias depois com dores, gases e diarréia de tanta porcaria que me fizeram tomar pra aguentar o pós-operatório. Não podia falar, não podia sentar pra amamentar, tinha que limpar pontos, fazer curativo e mal conseguia pegar direito a minha filha no colo. Sim, o momento não deixou de ser lindo, afinal, era minha filha nascendo. Mas, convenhamos, poderia ter sido melhor sim. O primeiro mês, inclusive, acho que teria sido menos estressante, meu leite teria descido mais rápido, e ela teria nascido bem.

Eu supliquei pela cesárea, pedi muito para minha mãe. Eu fiquei louca. Queria a minha casa, meu chuveiro quente, minha cama, o cheiro das pessoas que amo, cores, aconchego. Era tudo branco e impessoal. As pessoas não paravam de olhar o relógio. Hoje, entendo a importância de tudo isso, de estar em um ambiente acolhedor, com pessoas que você ama e/ou confia, que te conhecem, que estão ali pra te ajudar e não com pressa de acabar logo para poder dormir ou tomar café "porque o dia está apenas começando e você é apenas mais uma gestante".

Mas isso tem um preço, que eu e meu marido não pudemos, não quisemos ou não achávamos que precisávamos pagar para conseguir. Por isso, hoje, sem traumas, sei dos meus limites, erros e acertos e falo sobre o assunto abertamente. Acredito que toda mulher pode parir, se assim quiser. Algumas, raras, precisam de cirurgia sim, e é pra isso que existe a Medicina. Para esses casos.

Para parir, tem que querer MUITO. E não só querer muito, como eu quis, mas se preparar para isso desde o início, com todas as forças que puder. A maioria das mulheres se faz de desentendida. Faz que não é com ela. Sei disso, porque foi assim que agi durante quase todo o tempo. Passiva.

Avaliando minha experiência, vejo que muita coisa poderia ter sido diferente sim, mas foi a minha experiência. Naquele momento, era o que eu estava preparada para viver. Tenho certeza que fui ao meu limite e fiz o possível para conseguir. Não foi suficiente, tudo bem, mas foi a minha experiência e trouxe ao mundo a pessoa mais importante da minha vida, minha filha Valentina. Terminou tudo bem e cá estamos nós, felizes e ainda curtindo muito a nossa lua de leite.

Ela nasceu sem respirar. Sim, porque, no meio tempo que precisei esperar por uma sala de cirurgia de emergência, ela desceu. Pela cirurgia, eles tiveram que tirá-la já no canal vaginal, onde as vias respiratórias do bebê são liberadas durante a passagem. Quando me dei por consciente disso, entendi por que minha dor estava tão intensa! Estava perto, muuuuito perto, minha gente. E se eu consegui chegar tão perto e SEM anestesia, meus amigos, eu POSSO ir até o final. E sim, acredito que a Gisele Bündchen também conseguiu. Na casa dela, com uma equipe maravilhosa acompanhando, com o apoio dos que ama. Sim, é possível. Quem quiser entender um pouco do que se trata essa experiência, recomendo o vídeo abaixo que recebi há poucos dias de um mulherão chamado Rosana Oshiro, que participa do mesmo grupo que participo online, o Ishtar.


Já assisti três vezes e sempre me emociono. Muito forte e muito lindo. 

Eu não sei ainda se vou engravidar de novo, e quando isso vai acontecer, mas se engravidar, tentarei fazer diferente. Quero estar mais madura, informada, preparada. Mais consciente do meu papel e mais forte para ir atrás dos meus direitos até o final. Ter mais força e mais sapiência para aguentar tudo até o final. E apoio, muito apoio. Moral e físico! Quero alguém que na hora que eu estiver vulnerável esteja lá me passando confiança, acima de tudo, em mim mesma e no meu bebê. Que eu supere meus medos, como os tantos outros que superei. Que eu não paralise diante de mais nada nessa vida.


Amém.


Se vai acabar como eu espero, não dá pra saber. Mas alguma coisa há de ser diferente. Isso há!



Miedo

Lenine

Composição : Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis

Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienen miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da
Tienen miedo de subir y miedo de bajar
Tienen miedo de la noche y miedo del azul
Tienen miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da
El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor
Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá
Tenho medo de acender e medo de apagar
Tenho medo de esperar e medo de partir
Tenho medo de correr e medo de cair
Medo que dá medo do medo que dá
O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar
Tienen miedo de reir y miedo de llorar
Tienen miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienen miedo de decir y miedo de escuchar
Miedo que da miedo del miedo que da
Tenho medo de parar e medo de avançar
Tenho medo de amarrar e medo de quebrar
Tenho medo de exigir e medo de deixar
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma sombra que o temor não desvia
O medo é uma armadilha que pegou o amor
O medo é uma chave, que apagou a vida
O medo é uma brecha que fez crescer a dor
El miedo es una raya que separa el mundo
El miedo es una casa donde nadie va
El miedo es como un lazo que se apierta en nudo
El miedo es una fuerza que me impide andar
Medo de olhar no fundo
Medo de dobrar a esquina
Medo de ficar no escuro
De passar em branco, de cruzar a linha
Medo de se achar sozinho
De perder a rédea, a pose e o prumo
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo

Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão

Medo de fechar a cara
Medo de encarar
Medo de calar a boca
Medo de escutar
Medo de passar a perna
Medo de cair
Medo de fazer de conta
Medo de dormir
Medo de se arrepender
Medo de deixar por fazer
Medo de se amargurar pelo que não se fez
Medo de perder a vez
Medo de fugir da raia na hora H
Medo de morrer na praia depois de beber o mar
Medo... que dá medo do medo que dá
Medo... que dá medo do medo que dá